Conceito Visual: Prêmio Jabuti 2022

                                                                                                             Crédito Iara Venanzi
 

Ao celebrar o centenário da Semana da Arte Moderna de 1922, somos levados e levadas a lembrar os vínculos de nosso Jabuti com o modernismo e o nacionalismo, com a valorização da cultura popular brasileira e o reconhecimento de todas as nossas raízes, com destaque para as heranças indígenas e africanas. Por sermos herdeiros do “Manifesto antropofágico”, temos clara consciência de que nossos símbolos seculares, anteriores à colonização, e nossas figuras míticas são legados a serem depositados nas mãos de todas e todos, e transmitidos de geração em geração.


Daí surge nosso conceito visual para a 64ª edição do Prêmio Jabuti. Ele ultrapassa a noção de “conceito” e se veste do arrebatamento de um “manifesto”. Estamos convictas e convictos de que Silvio Romero, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Luís da Câmara Cascudo e todos e todas que produziam literatura e arte, nos dariam as mãos nesse passeio do Jabuti pela expressão mais contemporânea da cultura popular na arte: o grafite.


Por esses motivos, para celebrar o prêmio e ainda evocar a Semana de Arte Moderna em sua perenidade, chegamos ao grafite e à sua onipresença nos espaços públicos e fomos capturados por suas formas — hoje claramente regionalizadas — de manifestação artística, democrática e popular. Todos sabemos: o grafite é inscrição feita em paredes. Seu ressurgimento na Nova York dos anos 1970 se deu pela sensibilidade aguda de jovens afrodescendentes, porto-riquenhos e demais latinos que circulavam pelo Bronx. Nesse momento, já estamos de mãos dadas com Keith Harring, Basquiat e todos os grafiteiros contemporâneos, especialmente os brasileiros, a partir dos anos 1980.


Para esta edição, foram convidados e aceitaram levar o Jabuti para passear em meio à arte e aos anseios populares Raiz [Raí Campos] (Amazonas), Tereza de Quinta (Acidum Project, Ceará), Rafael Jonnier (Cuiabá), Ciro Schumann (São Paulo) e Marcelo Pax (Rio Grande do Sul), representando cada região geográfica de nosso país. Imprimem eles ao Prêmio técnicas, traços e conceitos nos quais veem-se também o popular e o histórico entremeados, pulsando por baixo de cada pincelada. É esse o momento em que o conceito assume o tom de manifesto visual. Ele exprime discordância plástica com uma realidade sempre agônica e traz para a cena conflitos, violência, opressão, assim como rumos de reação. Ao refletir o que se passa nas ruas, o Jabuti, pela expressão dos grafiteiros e grafiteiras que gritam nas paredes de todo o Brasil, aponta à literatura o tom, o diapasão.


A Roma antiga, Nova York, Berlim, o eixo Rio-São Paulo, a Amazônia, o Centro-Oeste, o Nordeste, o Sul, as artes, a música, as técnicas e a literatura são o nosso manifesto antropofágico contemporâneo, com todas as suas implicações e consequências. O grafite brasileiro já corre mundo. O Jabuti quer ver o mesmo acontecer com nossas literaturas.


Daí vem o que se vê em nossa 64ª edição: o reconhecimento de que o grafite se insere na cultura brasileira como uma atitude antropofágica capaz de mover o pensamento e as artes. Nossa intenção é levar ao grande público a voz de outras centralidades, de extrema densidade criativa, estética e de conteúdo – negras, femininas, indígenas e de gêneros diversos. Nossa escolha decorre da necessidade estratégica de fazer o Prêmio Jabuti chegar a todos, em especial aos jovens, de fazê-lo furar a bolha pela inclusão de linguagens e expressões criativas de todas as regiões do Brasil. Nosso intento é cumprir o imperativo de desenvolver um olhar contemporâneo, afeito aos desafios e antecipador do futuro.


Cem anos depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo, o Prêmio Jabuti se veste do grafite urbano. Sabemos que não é sem consequência nossa aceitação dessa arte nascida do popular, democrática e reivindicatória. Vamos celebrar a produção editorial brasileira a modo de manifesto pela liberdade de expressão, pelo direito à convivência de todos os olhares. Ao fazê-lo, a Câmara Brasileira do Livro e o Prêmio Jabuti 2022 assumem o reconhecimento da arte do grafite como expressão cultural e artística de valor transformador da contemporaneidade, capaz de evocar, mirando o futuro, a urgência inarredável da inclusão e da interação. Afinal, somos o “prêmio de todas e todos para todos e todas!”.